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19 de Maio de 2024

Das ações de família decorrentes de violência doméstica contra a mulher

há 5 anos

A lei 11.340/06, conhecida como Lei Maria da Penha, atendendo ao disposto no § 8º do artigo 226 da Constituição Federal que determina caber ao Estado assegurar a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações; na Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher promulgada pelo Decreto 4.377/02; na Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher promulgada pelo Decreto 1.973/96; tem como objetivo coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, punindo com mais rigor os agressores contra a mulher no âmbito doméstico e familiar.

Dentre os tipos de violência doméstica praticados pode-se citar o cárcere privado, o esporte sem assédio, o homicídio, o feminicídio, o tráfico de pessoas, o tráfico internacional de pessoas, o tráfico interno de pessoas e as violências física, moral, obstétrica, patrimonial, psicológica e sexual, que se enquadram nas condutas descritas no artigo da lei 11.340/06 e no artigo do Decreto 1.973/96.

Portanto, foram criados mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica, por meio da criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, das Delegacias de Atendimento a Mulher, pelo estabelecimento de medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar (arts. 8º a 12-C), e pela determinação do desenvolvimento de políticas públicas que visem garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares no sentido de resguardá-las de toda forma de negligência, discriminação (art. do Decreto 4.377/02), exploração, violência, crueldade e opressão.

Assim como a criança, o adolescente, o jovem (lei 8.069/90) e o idoso (lei 10.741/03), a mulher necessita de uma tutela jurídica diferenciada para a proteção de seus direitos fundamentais assegurados na Constituição Federal (arts. 226 a 230) e nas normas internacionais. Deste modo, foi necessário determinar no artigo da lei 11.340/06 que toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social, de modo a erradicar a desigualdade de gênero ainda existente, como já dispunha o artigo do Decreto 1.973/96 e o artigo do Decreto 4.377/02.

A lei 13.894/2019 promoveu alterações na lei 11.340/06 e na lei 13.105/2015 – Código de Processo Civil - para aprimorar as medidas de assistência judiciária (art. , inc. LXXIV da CRFB/88)à mulher e consequentemente o acesso a justiça, mediante o encaminhamento pelo Juiz do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher à assistência judiciária, quando for o caso, inclusive para eventual ajuizamento da ação de separação judicial (art. 1.572, 1.573, 1.575, 1.576, 1.577 e 1.578 do CCB), de divórcio (art. 1.580, § 2º, do CCB), de anulação de casamento (art. 1.558 do Código Civil c/c art. , inc. III, da lei 11.340/06) ou de dissolução de união estável (art. da lei 9.278/96) perante o juízo competente (art. , inc. III, e art. 18, inc. II, da lei 11.340/06); pelo dever da autoridade policial da Delegacia de Atendimento a Mulher de informar à ofendida dos direitos a ela conferidos na lei 11.340/06 e os serviços disponíveis, inclusive os de assistência judiciária para o eventual ajuizamento perante o juízo competente da ação de separação judicial, de divórcio, de anulação de casamento ou de dissolução de união estável (art. 11, inc. V).

Isto porque é direito da mulher o acesso simples e rápido perante tribunal competente que a proteja contra atos que violem seus direitos (art. 4º, g, do Decreto 1.973/96) e dever do Estado: adotar medidas jurídicas que exijam do agressor que se abstenha de perseguir, intimidar e ameaçar a mulher ou de fazer uso de qualquer método que danifique ou ponha em perigo sua vida ou integridade ou danifique sua propriedade; estabelecer procedimentos jurídicos justos e eficazes para a mulher sujeitada a violência, inclusive, entre outros, medidas de proteção, juízo oportuno e efetivo acesso a tais processos; estabelecer mecanismos judiciais e administrativos necessários para assegurar que a mulher sujeitada a violência tenha efetivo acesso a restituição, reparação do dano e outros meios de compensação justos e eficazes (art. 7º, d, f, e g, do Decreto 1.973/96).

Como exposto na justificativa do PL 510/2019 apesar da Lei da Maria da Penha já criar diversas medidas protetivas para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, como o afastamento do agressor, há a necessidade da criação de medidas jurídicas que facilitem a dissolução do vínculo da mulher e da família com o agressor.

O encaminhamento a Defensoria Pública para que preste a assistência judiciária (art. 134 da CRFB/88, art. 185 do CPC e LC 80/94) no tocante a dissolução do vínculo conjugal ou de união estável (art. 693 a 699 do CPC), decorre da integração operacional entre o Poder Judiciário, o Ministério Público, a Defensoria Pública, com as áreas de segurança como a Delegacia de Atendimento à Mulher (art. , inc. I e IV da lei 11.340/06), garantindo-se a toda mulher em situação de violência doméstica e familiar o acesso aos serviços de Defensoria Pública ou de Assistência Judiciária Gratuita nos locais em que não houver Defensor, em sede policial e judicial, mediante atendimento específico e humanizado (art. 28 da lei 11.340/06).

Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher são órgãos da Justiça Comum (Estadual) com competência cível e criminal, criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher (art. 14 da lei 11.340/06), podendo contar com uma equipe de atendimento multidisciplinar, a ser integrada por profissionais especializados nas áreas psicossocial, jurídica e de saúde, inclusive com o serviço de assistência judiciária (arts. 29 e 30 da lei 11.340/06). Junto ao Juizado poderá funcionar um núcleo de Defensoria Pública especializado no atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar (art. 35, inc. III, da lei 11.340/06), o que facilita o acesso a assistência jurídica.

É competente, por opção da ofendida, para os processos cíveis regidos pela lei 11.340/06, o Juizado: I - do seu domicílio ou de sua residência; II - do lugar do fato em que se baseou a demanda; III - do domicílio do agressor (art. 15 da lei 11.340/06). O processo, o julgamento e à execução das causas cíveis e criminais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher não possuem rito específico na lei 11.340/06, de modo que são aplicáveis as normas do Códigos de Processo Penal para as ações penais e as normas do Código de Processo Civil para as ações cíveis e a legislação específica relativa à criança, ao adolescente (lei 8.069/90) e ao idoso (lei 10.741/03), exceto as conflitantes (art. 13 da lei 11.340/06).

Para as ações de família (art. 693 do CPC) decorrentes do encaminhamento pelo Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher ou pela Delegacia de Atendimento a Mulher, aplica-se o procedimento comum do Código de Processo Civil para a ação de anulação de casamento e de anulação ou nulidade da escritura pública de união estável, e o procedimento especial dos artigos 693 a 699 do Código de Processo Civil para as ações de separação, divórcio e extinção de união estável, sendo que o foro competente para as referidas ações é do domicílio da vítima de violência doméstica e familiar (art. 53, inc. I, al. d, do CPC), independentemente de onde tenha sido ajuizado o processo no Juizado, e com intervenção obrigatória do Ministério Público (parágrafo único do art. 698 do CPC).

Evidentemente, que é opção da mulher ofendida de ingressar ou não com a ação de separação judicial, de divórcio, de anulação de casamento ou de extinção de união estável perante o juízo competente, de modo que ao Poder Judiciário e a autoridade policial cabe apenas encaminhá-la ao órgão de assistência judiciária quando esta manifestar sua vontade neste sentido, por não ter condições de arcar com os custos do processo e os honorários de um advogado.

A competência dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher é absoluta em razão da matéria, que é especializada para processar, julgar e executar as causas cíveis e criminais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, de modo que não pode ser modificada por vontade das partes nem pela conexão (arts. 54 e 62 do CPC). Como a competência das Varas de Família também é absoluta em razão da matéria (art. 53, inc. I,do CPC), as ações de família decorrentes de violência doméstica não podem ser ajuizadas no Juizado (STJ, REsp. 1.542.517/MT, Min. MOURA RIBEIRO, DJ 23/03/2017), ainda que exista conexão ou continência entre as causas cíveis de violência doméstica e as ações de família (arts. 55 e 56 do CPC).

Deste modo, cumpre analisar os efeitos das medidas protetivas deferidas nos processos em curso nos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher em relação as ações de família, visto que determinadas tutelas provisórias podem ter o mesmo objeto das medidas protetivas, como o afastamento do cônjuge do lar (art. 22, inc. II, e art. 23, inc. III, da lei 11.340/06) e a separação de corpos (art. 23, inc. IV, da lei 11.340/06 c/c art. 1.562 do Código Civil), a fixação de alimentos provisionais (art. 22, inc. V, da lei 11.340/06 c/c art. 1.702 e 1.706 do Código Civil) e a indisponibilidade ou restituição de bens (art. 24 da lei 11.340/06); e os efeitos da reconciliação (art. 1.577 do Código Civil) obtida nas ações de família sobre as medidas protetivas.

Como determina o artigo 12 da lei 11.340/06, em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro da ocorrência tomado a termo com a descrição sucinta do fato e das medidas protetivas solicitadas pela ofendida, deverá a autoridade policial remeter, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, expediente apartado ao juiz com o pedido da ofendida, para a concessão de medidas protetivas de urgência para resguardar sua vida, sua integridade física e moral, seu patrimônio, bem como de seus dependentes.

O afastamento do agressor pode ser realizado pela autoridade policial com comunicação ao Juiz no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas, que decidirá sobre a manutenção ou não da medida após a oitiva do Ministério Público, quando verificar a existência de risco atual ou iminente a vida ou a integridade física da mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou de seus dependentes (art. 12-C da lei 11.340/06).

Portanto, ressalvada a medida protetiva de afastamento do agressor que pode ser realizada pela autoridade policial, cabe ao Juiz do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher competente após receber o pedido da ofendida ou o requerimento do Ministério Público, decidir de forma liminar ou após a oitiva do agressor sobre as medidas protetivas de urgência que poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente, e poderão ser substituídas a qualquer tempo por outras de maior eficácia, sempre que os direitos da vítima forem ameaçados ou violados, na forma do artigo 19 da lei 11.340/06.

A Lei Maria da Penha classifica as medidas protetivas em medidas protetivas de urgência que obrigam o agressor (art. 22) e medidas protetivas de urgência à ofendida (arts. 23 e 24), que se subdividem em medidas de caráter protetivo a pessoa da ofendida (art. 24) e medidas de caráter protetivo do patrimônio (art. 24), cujo rol legal é exemplificativo, o que possibilita ao Juiz determinar outras medidas necessárias para assegurar o direito da ofendida. Para a efetivação da medida concedida ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, impedimento de atividades nocivas, se necessário com requisição de força policial, na forma do artigo 497 do Código de Processo Civil (art. 22, §§ 3º e , da lei 11.340/06 c/c art. 1.046, § 4º, do CPC).

As referidas medidas de urgência quando concedidas de ofício pelo Juiz em razão do recebimento do expediente encaminhado pela autoridade policial têm natureza de medida cautelar de proteção da pessoa ou do patrimônio da vítima; quando concedidas de ofício ou a pedido do Ministério Público no curso da ação penal também têm natureza de medida cautelar (art. e 319 do CPP); e quando concedidas a pedido da ofendida de forma autônoma independente da ação penal (STJ, REsp. 1.419.421⁄GO, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, DJe 07⁄04⁄2014) têm natureza de tutela específica (arts. 497 a 501 do CPC), que poderá ser deferida como tutela provisória de urgência, cautelar ou antecipada, em caráter antecedente ou incidental, tendo como objetivo proteger os direitos fundamentais da mulher, coibindo ou prevenindo a prática de violência doméstica, aplicando-se o disposto no artigo 297 do Código de Processo Civil.

Nas ações de família para dissolução do vínculo conjugal ou de união estável, também podem ser requeridas as tutelas provisórias tanto em caráter antecedente como em caráter incidente (art. 695 do CPC), que podem versar sobre a fixação de alimentos provisionais ou provisórios, sequestro de bens do casal nos casos de dilapidação do patrimônio, entrega de bens de uso pessoal do cônjuge, afastamento temporário do lar do cônjuge, separação de corpos (art. 1.562 do Código Civil), guarda provisória dos filhos e direito de visitação.

Como dito anteriormente, ainda que haja conexão ou continência entre as causas cíveis de violência doméstica e as ações de família instauradas pelas ofendidas, as ações não podem ser reunidas para julgamento conjunto em razão da competência absoluta dos foros, de modo que a medida de urgência deferida pelo Juiz do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher impedirá que o Juiz da Vara de Família analise a tutela provisória com idêntico pedido, ante a ausência de perigo de dano (art. 17 c/c art. 300 do CPC), salvo se for revogada a medida protetiva anteriormente concedida (art. 18, § 3º, da lei 11.340/06).

Com o intuito de fiscalizar e garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência devem ser registradas em banco de dados mantido e regulamentado pelo Conselho Nacional de Justiça, garantido o acesso do Ministério Público, da Defensoria Pública e dos órgãos de segurança pública e de assistência social, (parágrafo único do art. 38-A da lei 11.340/06), de modo que o Juiz da Vara de Família pode ter conhecimento da medida.

Como o pedido nas ações de família é diferente do pedido formulado nas medidas protetivas, o Juiz da Vara de Família ao julgar a ação poderá dispor de forma diversa da medida protetiva concedida, como por exemplo quanto a fixação de alimentos em valor diverso (art. 1.702 do Código Civil), a concessão da guarda dos filhos e o direito de visitação de forma diversa (art. 1.584, inc. I, e 1.589 do Código Civil) e a partilha de bens (art. 1.575 do Código Civil) que impactará sobre as medidas protetivas de cunho patrimonial. No tocante a separação de corpos decretada pelo Juiz do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, está ficará consolidada na sentença de separação judicial (art. 1.575 do Código Civil).

No caso de reconciliação da ofendida com o agressor no âmbito da ação de separação judicial e na ação de extinção da união estável (art. 1.577 do Código Civil), que acarreta a extinção do processo sem resolução do mérito, a medida protetiva pode ser revista/revogada pelo Juiz do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, a pedido da ofendida, do agressor, do Ministério Público e da Defensoria Pública, ou de ofício mediante manifestação do profissional integrante da equipe multidisciplinar, com possibilidade de renúncia da representação penal, na forma dos artigos 16 e 30 da lei 11.340/06.

Estas considerações foram elaboradas em razão da existência de conflitos de competência ocorridos entre os Juízes dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e os Juízes da Vara de Família.

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